
Quando a digitalização não é mais um chavão
O chavão “digitalização” anda na boca de todos. Começou por ser uma promessa veiculada pelos geeks ou por aficionados das tecnologias de informação. Depois chegou ao mainstream media e passou a fazer parte do discurso de qualquer gestor dito moderno.
Passados alguns anos, como estão as empresas a lidar com a digitalização? Como em todas as revoluções, há bons exemplos e maus exemplos. Há empresas que perceberam que o desafio da digitalização tem pouco a ver com a adoção de Internet de alta velocidade e com programas (software) para ajudar a gerir o negócio... e há outras que, teimosamente, não saem da cepa torta.
A verdade é que a digitalização vai muito para além da fibra ótica e da Internet de alto débito. Ela passou a fazer parte integrante não apenas dos processos, mas do próprio negócio. Tome-se o caso da Mercedes, um dos fabricantes de automóveis mais antigos do mundo.
A empresa de Estugarda foi até há poucos anos uma das mais conservadoras do mundo automóvel. Mas de há dez anos a esta parte começou uma revolução que a transformou num dos players mais avançados do setor. Em duas áreas: na eletrificação e na alteração da maneira como chega aos clientes... e como gere essa relação.
Deixemos a eletrificação para outro artigo, para nos centrarmos nos clientes. Há dois anos a Mercedes lançou o “Connect me”, um modelo novo de relacionamento com o cliente. A empresa passou a instalar nos modelos novos uma aplicação que transmite, em tempo real, os dados do veículo (os modelos mais antigos precisam de instalar um módulo para estarem permanentemente conectados).
Este procedimento, aparentemente simples, obrigou a empresa (concessionários) a mudarem a abordagem ao cliente. Até agora era o cliente que tinha de se preocupar em saber quando tinha, por exemplo, revisões por fazer.
A partir de agora é o concessionário que, com acesso aos dados do cliente, pode enquadrar toda uma oferta de serviços especialmente desenhada... para aquele cliente.
Para o concessionário é uma mudança de chip: é o funcionário da empresa que, proativamente, desenha uma oferta “customizada” para o cliente. Para trás fica um modelo que disponibilizava um leque de serviços variado, que podia não estar desenhado para as necessidades específicas daquele cliente.
Parece uma mudança pequena, mas tem grandes repercussões na forma como o negócio é pensado. E que ganha uma importância ainda maior num momento em que a indústria automóvel põe o acento tónico na venda de serviços, ao invés da venda... do produto, do hardware.
Voltando ao exemplo do “Connect me”, os últimos dados da Mercedes em Portugal mostram que 40% de todas as marcações de serviços de clientes da empresa já são processados por via desta aplicação.
Imagine-se o que os concessionários tiveram de mudar para se adaptarem ao desafio... É um dos temas do momento e este artigo poderia abordar muitos outros exemplos que ameaçam mudar o modelo de negócio das empresas e que confirmam os enormes desafios trazidos pela digitalização. Mas fica para uma próxima oportunidade.