Guerra na Ucrânia: Indústria Automóvel com novos problemas

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Para além da grave crise humanitária, a guerra na Ucrânia está a provocar problemas na indústria automóvel, cujas consequências são ainda difíceis de prever. No imediato, é a produção de chips que começa a complicar-se ainda mais, já que necessita de néon, gás que é produzido em 90% pela Ucrânia. Ora como sabemos, esta produção está comprometida.
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Primeiro foi o impacto do COVID-19, depois a crise dos semicondutores e das cadeias de distribuição e agora a situação de guerra na Ucrânia. Quando se pensava que a indústria automóvel poderia começar a vislumbrar tempos de alguma retoma, eis que este conflito vem lançar novas incertezas sobre a produção automóvel e toda a cadeia de valor que lhe está associada. E as consequências, em toda a sua extensão, são ainda imprevisíveis. A situação política é instável e as novidades podem acontecer a qualquer instante.

Néon ucraniano complica crise de chips

A crise dos semicondutores, que já se prolonga há vários meses, tem prejudicado a indústria automóvel e a situação tenderá a piorar. É que estes componentes dependem do néon, gás que tem vindo a ser fornecido – em 90% – pela Ucrânia e cujo abastecimento foi interrompido. Importa esclarecer que o néon é um gás nobre, praticamente inerte e necessário para a fabricação de chips. Logo, a sua escassez vai afectar ainda mais as necessidades da indústria automóvel, que sem semicondutores não consegue colocar novas unidades no mercado. Os governos dos EUA e Japonês já pressionaram os seus fabricantes dechips para encontrarem novas fontes de abastecimento. Curiosamente, o néon é um subproduto da produção de aço, que os russos produzem em quantidade, para depois enviarem esse gás para a Ucrânia. Aqui é processado e purificado, para se conseguir o néon.

Esta não é a primeira vez que o abastecimento de néon ucraniano se vê envolto em problemas. Já em 2014, a quando da invasão da Crimeia, o valor do néon subiu 600%. Isto numa fase em que os ucranianos forneciam apenas 70% do néon aos fabricantes de chips. Hoje, com 90% desse fornecimento, o problema é muito mais grave. Acrescente-se a este problema o facto de os ucranianos fornecem a indústria automóvel alemã com as cablagens de que necessitam para produzir os seus veículos. Aqui são sobretudo os grupos BMW, Mercedes e Volkswagen a ter maiores dificuldades.

Quebras na produção preocupam

À suspensão da produção em diversas fábricas de componentes ucranianas, juntam-se os problemas políticos associados às sanções económicas impostas à Rússia e a rotura das cadeias de abastecimento. E os exemplos são diversos. A produção da carrinha Caddy na fábrica da VW em Poznan, na Polónia, foi suspensa devido à falta de peças. Esta escassez está a provocar também o aumento do preço de matérias-primas como o níquel ou o paládio. A subida dos custos de energia também está a comprometer as linhas de abastecimento e de produção. À data desta publicação, a Volkswagen já tinha suspendido a produção em duas fábricas na Polónia. Outra unidade do Grupo VW, a Skoda, que é a maior exportadora da República Checa, interrompeu a produção do SUV elétrico Enayaq e alertou que o desenvolvimento de outros modelos também estava em risco devido à indisponibilidade dos chips vindos da Ucrânia.

As interrupções nas unidades de produção também terão um preço elevado na República Checa, onde a indústria automóvel é responsável por cerca de um quarto da produção industrial e das exportações do país. Na Hungria, o setor representa 28% das exportações industriais. Christian Wietoska, analista do Deutsche Bank, estimou em 11 de março que cada semana de interrupção completa na produção automóvel representaram uma quebra de 0,1 ponto percentual do PIB da República Checa e na Hungria.

Previsões muito conservadoras

Como já referimos, embora seja prematuro fazer previsões sobre o impacto total deste conflito no setor automóvel, os sinais de disrupção são claros e as vozes de alerta também. É um facto que a guerra prejudicará as economias à medida que a produção industrial for sendo afetada e a inflação refrear tanto o consumo dos consumidores como o investimento das empresas.

O presidente do Banco Nacional Checo, Jiri Rusnok, disse em 9 de março que "sem dúvida" haveria uma desaceleração. O banco previu anteriormente um aumento de 3% do PIB este ano, em comparação com 3,3% em 2021. O vice-presidente do banco central da Hungria, Barnabas Virag, disse também que a guerra na Ucrânia criou riscos negativos para o crescimento económico. O órgão da indústria Checa AutoSAP acrescentou que um terço das empresas do país já relatam falta de materiais ou componentes. A empresa havia previsto um regresso ao crescimento ainda este ano, mas o diretor executivo da AutoSAP, Zdenek Petzl, afirmou que atingir níveis de produção de 1,1 milhões de carros em 2021 já seria um sucesso. "O impacto será enorme", disse à Reuters. "É incrível que as empresas tenham sobrevivido à tempestade dos últimos dois anos. Mas agora não sabemos o que vai acontecer”, continuou. Na Roménia, o ministro da Economia criou uma task-force para se preparar para as consequências em segmentos industriais importantes, como o setor automóvel - que também enfrenta dificuldades com a escassez de algumas peças. Peter Virovacz, economista do ING em Budapeste, disse que as quebras na produção húngara podem ser apenas metade das observadas em 2020, mas a recuperação será muito mais lenta. "O setor automóvel não estará em condições de impulsionar o crescimento económico que teríamos visto sem a guerra", garantiu.

Por seu lado, O CEO do Grupo Volkswagen, Herbert Diess, alertou que uma guerra prolongada na Ucrânia pode ser "muito pior" para a economia das regiões europeias do que a pandemia de coronavírus. A interrupção das cadeias de abastecimento globais "pode levar a enormes aumentos de preços, escassez de energia e inflação", acrescentou Diess ao Financial Times. Diess disse ainda que a Europa enfrenta uma enorme ameaça de inflação devido ao prolongado conflito na Ucrânia.

Marcas em jogo

As consequências políticas das sanções impostas à Rússia também tiveram impacto nas marcas automóveis, que também começaram a posicionar-se. A Stellantis já afirmou que vai transferir sua atual produção de carrinhas da Russia para a Europa Ocidental, ao mesmo tempo que congelará os planos de novos investimentos no país. A quarta maior construtora do mundo disse na quinta-feira que suspendeu todas as exportações e importações de veículos com a Rússia, onde funciona uma fábrica na cidade de Kaluga, em parceria com a Mitsubishi. O anúncio veio depois de Moscovo ter decidido proibir as exportações de certos bens, incluindo automóveis e produtos agrícolas, como retaliação às sanções ocidentais. Já a Mercedes está a lidar com ameaça de nacionalização da sua presença em solo russo, onde tem cerca de 2 biliões de euros em ativos. É que as autoridades levantaram a hipótese de expropriar a propriedade de empresas estrangeiras que estejam a deixar o país por causa da invasão da Ucrânia.

Incerteza é a palavra que vai continuar a marcar o dia-a-dia da indústria automóvel e de todos os setores relacionados. Resta-nos esperar que este conflito possa ter uma solução política no curto prazo e que tanto as suas consequências humanitárias como económicas possam ser minimizadas. Como sempre, no que há mobilidade diz respeito, vamos continuar a analisar todos os desenvolvimentos e a antecipar as soluções possíveis.

Publicado a 5 de abril de 2022
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5 de abril de 2022
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